Miss.Marcelo Pedro e Ruth entre
os Kuripako
Aquela foi mais outra longa e
cansativa viagem subindo o rio Içana em direção ao nosso lar, entre o povo
Kuripako....
Por quase duas semanas a pesada
canoa feita de tronco de árvore, também denominada de "bongo",
deslizara suavemente sobre as águas, levando, quase no limite da sua
capacidade, suprimentos para vários meses.Aquela jornada marcaria o meu retorno
ao trabalho missionário, após um período de ausência.
A minha querida esposa não pôde
me acompanhar desta vez. Por motivo de saúde ela ficara, juntamente com os
nossos três filhos, em Manaus para submeter-se a um longo tratamento. Sentado
quieto na canoa, enquanto observava um grupo de índios que viajava comigo,
alternando-se em narrativas de proezas das suas caçadas, todas pontilhadas de
alegres gargalhadas, vinha-me à mente a recordação das lágrimas da minha Rute
naquela difícil despedida no porto em Manaus: "Querido...",
sussurrara ela entre soluços, "...sei que sozinha e ainda me
convalescendo, será um pouco difícil nestes dias, mas sei também que a graça de
Deus me fortalecerá! Nós ficaremos bem! Cuide-se bem e vá!" A expectativa
dos meses de separação já produzia um indescritível sentimento de saudades, que
só era amenizado por duas certezas: (1) estamos no centro da vontade de Deus,
portanto Ele cuidará de nós e nos conduzirá em triunfo, (2) nos encontraremos
no meio do ano, tendo os corações mutuamente fortalecidos em amor.
Repentinamente, senti o soprar de uma suave brisa de alegria invadindo o meu
coração, enquanto ecoava na minha mente as sábias palavras de um missionário de
cabelos brancos: "Marcelo, há um lema que rege a obra de Deus: Sem grandes
sacrifícios não há grandes vitórias!"À medida que penetrávamos no
sombreado curso do rio Içana, com a selva se adensando cada vez mais ao nosso
redor, crescia também no meu coração este espírito de entusiasmo e confiança em
Deus pelo privilégio de servi-Lo com toda a minha vida. Confesso que não foi
difícil descobrir que o ânimo que me impulsionava rio acima não tinha origem em
mim mesmo, mas me era comunicado ao coração pela inconfundível e doce presença
do Senhor bem ali ao meu lado. Uma presença sensível, diante da qual fugira
todas os medos, pensamentos superficiais e inquietações. Então compreendi
claramente o significado desta promessa: "A paz de Deus que excede todo
entendimento, guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo
Jesus" (Fil. 4:7).Prosseguimos intrepidamente. Após passarmos uma curva do
rio, avistamos uma área repleta de enormes rochas pontiagudas recortadas
pelas águas escuras do Içana. Estávamos nos aproximando da
"Tsepã-hiipa-lico", uma das perigosas cachoeiras que marca fronteira
entre os territórios Baniwa e Kuripako. Ao tentarmos transpor dificultosamente
aquela cachoeira, tivemos um instante de horror quando fomos quase tragados
pela fúria das águas que arremessavam violentamente nossa canoa sobre as
pedras. "Oh Deus! Ajude-nos, Senhor!" Bradei em profunda aflição,
agarrando-me nervosamente às bordas da canoa! Neste instante divisei os índios
acenando freneticamente as mãos e gritando desesperadamente uns para os outros.
À proporção que a água invadia a canoa, um terrível pensamento assaltava a
minha mente: "Estamos em grande perigo e vamos alagar na boca desta
terrível cachoeira!" Repentinamente, me veio também uma estranha sensação
de resistência demoníaca, salpicando a atmosfera do lugar e intensificando
nossa angústia. Mas, naquela mesma hora, a Bendita Presença que nos levara
triunfantemente até ali, nos socorreu e nos livrou do perigo. Com o coração
batendo aceleradamente, lembrei-me do exército de servos de Deus que estavam
intercedendo por mim naquela hora. "Querido Senhor, muito obrigado pela
Tua misericordiosa proteção!" E com os olhos marejados pela comoção,
arrematei: "Eu creio que Tu levarás a bom termo o teu plano maravilhoso
para as tribos da 'Cabeça do Cachorro'. Muito obrigado por fazer parte deste
Teu plano!"Por quanto tempo ainda as dificuldades deste mundo impedirão
que muitas tribos perdidas ouçam da inefável graça de Deus? Por quanto tempo ainda
nos intimidaremos ante as regiões sombrias onde impera total ignorância do
Senhor Jesus Cristo? Será que nunca nos ocorreu que o Deus Todo-Poderoso vibra
de entusiasmo ao ver a Sua Palavra alcançando os confins deste mundo? Será que
nunca nos ocorreu que a nossa vida só tem sentido, quando se torna uma resposta
aos grandes desafios missionários do coração de Deus? Estes pensamentos me
abalaram e me fizeram perceber a insignificância da minha vida em face da
grandiosidade da obra de Deus. E, orando baixinho disse: "Usa-me, Senhor,
para produzir a Tua glória neste lugar, e para estabelecer o Teu reino nas
tribos do vale do Içana!" Senti uma renovada vitalidade brotando dentro de
mim e coroando minhas feições de alegria uma alegria que não era apenas minha!
Passado o clímax da emoção, um
índio me informou que parte da nossa preciosa gasolina tinha sido tragada pelas
profundezas do "Jurupari" (cachoeira do diabo na língua nativa),
porém o restante da bagagem, embora molhado, estava intacto. Também ninguém se
machucara no incidente, exceto um índio que caiu sobre as rochas, porém nada
grave. Isto era um milagre! Exultei de alegria e de gratidão ao Senhor! Sob os
olhares atentos dos meus "marinheiros" louvei ao meu Senhor com um
hino na língua indígena, enquanto prosseguíamos.
Ao nos aproximarmos das aldeias
Kuripako exauriu-se todo o nosso estoque de gasolina e ficamos à deriva. Como
estávamos numa grande e pesada canoa, prosseguimos com dificuldade num penoso
processo de remar lentamente, contornando as inúmeras curvas do rio. Nisto o
tempo tornou-se inclemente! O sol retirara a sua luz desaparecendo sob escuras
nuvens! E, em questão de instantes, uma pesada chuva se abateu sobre nós.
Afundamos vigorosamente os remos na água e resolutos avançamos contra o
temporal, até finalmente atracarmos no porto de São Joaquim, nosso destino
final.A notícia da minha chegada rapidamente se espalhara por toda aquela
região. Ao me aproximar da aldeia, todos os índios correram em minha direção
para me saudarem com um firme aperto de mão. Em seguida, um alegre e barulhento
cortejo conduziu-me até a minha casa, localizada na parte mais baixa da aldeia
Keradaro.
Aquela tarde fria alimentava
ainda mais a saudade da minha querida esposa, enquanto o enorme desejo de
chegar em casa fazia desvanecer o cansaço daquela longa jornada. Mesmo sabendo
que a minha família ficara para trás, assediava o meu coração a viva lembrança
da minha querida aguardando ansiosamente a minha chegada, e nossas três
crianças correndo a me abraçar! Porém, ao entrar, a cabana estava silenciosa e
vazia! O nosso fogão a lenha, exalando aquele saboroso cheiro das sopinhas
quentes da Rute, agora estava coberto de pó e sujeira de morcegos. A cobertura
de palha da casa, apodrecida, permitiu que a chuva, insetos voadores e hordas
de morcegos entrassem produzindo enormes estragos. Subitamente, percebi o que
significava estar tão longe da família. Seguido pela comitiva que me
recepcionara, afastei-me da casa por um instante e num gesto quase
imperceptível suspirei comovido: "Oh, querida Rute, como eu gostaria que
você estivesse aqui comigo!" Lágrimas quentes começaram a rolar na minha
face, confundindo-se com a fria garoa que ainda caía sobre nós. Nisto acudiu-me
um quadro de imensa ternura: Alexandre, um dos anciãos da aldeia acercou-se de
mim, colocou sua mão sobre meu ombro e começou a orar com voz embargada:
"Você, meu Senhor, Você, meu Deus santo, agradeço por trazer o nosso pai
novamente para nós. Agora o meu coração está alegre porque posso ouvir a Sua
Palavra da boca deste nosso pai...". Foi a primeira vez que ouvi na língua
nativa esta expressão carinhosa de tratamento para comigo. Com o coração
abrasado e incandescido pela emoção, segurei-o pelo pescoço, puxei-o para junto
de mim e choramos convulsivamente num misto de alegria, tristeza e
saudades.Assim é a obra missionária! Sozinho aqui no mato tenho aprendido
grandes lições de dependência de Deus. Tenho aprendido que uma vida fácil que a
si mesmo não se negue, nunca será uma vida de excelência nas mãos de Deus. O
meu grande ânimo é saber que foi Ele quem me colocou onde estou e como estou.
Jamais procurei este lugar e posição para mim mesmo, todavia não tenho coragem
de abandoná-la. Do âmago da minha alma eu me deleito no fato de saber que o
Senhor fará a Sua grande obra na vida daqueles que habitam na "Cabeça do
Cachorro", alto rio Içana, confins do Brasil.
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Esse casal abençoado eu tive o
prazer e a alegria infinita de conhecer pessoalmente!
Me sinto muito honrado em conhecê-los
e vou orar por eles constantemente, para que Deus continue realizando grandes
coisas através deles dois!
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